segunda-feira, 28 de abril de 2008

LEMBRANÇA DE JOAQUIM DE MONTEZUMA DE CARVALHO (1928-2008)

Dizemos lembrança como poderíamos dizer evocação ou simplesmente comunhão com Joaquim de Montezuma de Carvalho. A palavra homenagem, que hoje em dia quantas vezes se veste de ridículo, é aqui evitada, porque, de facto, não houve discursos oficiais nem protocolos alheios à verdadeira natureza do acontecimento. Porém, o momento foi carregado de significado. Para além de sua esposa D. Maria Júlia Neto Montezuma de Carvalho, de seu filho Dr. Joaquim Manuel Montezuma de Carvalho, nora Dra. Ana Maria Ramalho Montezuma de Carvalho e neto Miguel Afonso, de outros familiares (irmãos, cunhados, sobrinhos e o predilecto afilhado e estimado como filho, o Prof. Mário Jorge Ferreira) e de um reduzido grupo de amigos que conviveram anos e anos com o escritor e crítico literário, não se encontrava mais ninguém. Ou seja, nada a mais e nada a menos, na manhã de 25 de Abril, com um sol radioso. Por ironia do destino, neste dia da liberdade, a lembrança de um homem, falecido a 6 de Março, que sempre se manteve livre de qualquer ditadura: seja a política ou as outras mais brandas, mas que tolhem a liberdade de pensar e de agir. Não é de admirar num pensador e escritor que, pela mão de seu pai o prof. Joaquim de Carvalho, estudou Espinosa e que, durante toda a sua vida, sempre pugnou pelas rotas literárias e culturais (dum modo particular dos mundos hispânico e lusófono) destinadas a aproximar os povos, nas suas singularidades desejadas, sem formatações iguais tão ao gosto de alguns. Por isso, Joaquim de Montezuma de Carvalho, com a sua visão longínqua e alta, isto é, de águia, nunca parou nas capelinhas, mas sempre preferiu a ampla catedral onde cada um, podendo ter o santo da sua preferência, não nega o santo de quem está a seu lado, já, que - permita-se-nos a conclusão da metáfora – todos os santos são santos!

A concentração teve lugar no Largo da Portagem, em Coimbra, junto ao parque e defronte ao Mondego, pouco depois das 11 horas. Alguém referiu que o currículo do autor, que em 1970 recebeu, em S. Paulo, o argentino e universal Jorge Luís Borges, fazendo parte do Júri que lhe atribuiu o prémio dessa bienal, daria para fazer um livro inteiro! Foram também referidas duas importantes edições críticas epistolares: uma sobre Manuel Bandeira e outra do, também brasileiro, Carlos Drummond de Andrade e Joaquim de Montezuma, sendo esta última uma publicação do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de Coimbra, e à qual tivemos a honra de assistir.

A cerimónia propriamente dita começou com a leitura de um pequeno trecho da última publicação do autor, pelo próprio filho. Seguiu-se a evocação do autor pelo escritor e poeta Raul Traveira que leu, de sua autoria, Variações em Vogais. Seguiu-se o poeta Eduardo Aroso que lembrou o prefácio escrito para o seu livro Habitante Sensível, onde se fala também de Carolina Michaëlis de Vasconcellos e de um belíssimo texto desta autora, descoberto no pó, que Joaquim de Montezuma “ressuscitou” para anteceder os versos deste livro sobre Coimbra. Foi lido o poema Canção Politonal sobre a Cidade, que é dedicado ao autor recordado. Depois de intervenções mais espontâneas de familiares e de amigos, seguiu-se o comovente lançamento (simbólico) ao Mondego das cinzas do corpo do escritor que não acreditava verdadeiramente na morte como fim. Pelas «doces e claras águas do Mondego», assim cantou Camões, deslizaram parte das cinzas. As restantes foram, no cenário claro e aberto da Figueira da Foz, do mesmo modo lançadas desta vez ao largo oceano. Esse mar, no qual o seu idealismo tanto viajou para aproximar os povos. Uma das últimas façanhas suas foi a de ter organizado a maior homenagem em livro que alguém fez a um poeta em Portugal. Trata-se da obra A Jeito de Homenagem a Eugénio de Andrade, na qual participam mais de duzentos poetas de todos países das Línguas Portuguesa e Castelhana. Em 1963 fez parte do júri internacional que atribuiu ao mexicano Octavio Paz o Grand Prix de Poésie (prémio belga). Em 1971 foi-lhe outorgado o prémio mexicano José Vasconcelos. Designado, em 1999, Cavaleiro da Ordem de S. Eugénio de Trebizonde - de Espanha. Colaboração na revista Relligioni Oggi (Roma); Revista Interamericana de Bibliografia (Washington); Vida Universitária (México do Norte), Sembradores de Amistad, Comunidad, Nivel e Humanitas; no diário El Universal (Equador); na revista Humboldt (Alemanha); Repertório Latinoamericano (Buenos Aires), etc. Foi membro de The Hispanic Society of America (Nova Iorque).

Concluindo assim este roteiro de saudade e de gratidão, o poeta Raúl Traveira leu Versos e Contrastes, que já havia dedicado ao Professor Joaquim de Carvalho; poemas também recitados pela poetisa figueirense Manuela de Azevedo e pela bibliotecária Gracília Carmo que, para além do bonito poema que leu, o fez anteceder de palavras comoventes e de gratidão por tudo o que o autor fez pela Figueira e muito especialmente no enriquecimento do acervo da biblioteca municipal no que toca à literatura ibero-americana. Numa tarde de branca espuma, junto ao farol do molhe, numa tarde igual a tantas outras que Joaquim de Montezuma desfrutou, desta vez vimos uma rosa sobre as águas, como um barco, pairando, símbolo da flor do espírito que permanece no eterno movimento da vida, pois ele deu mais vida à própria vida, mais alegria ao seu semelhante, afrouxando as fronteiras limitadoras.

Coimbra - Figueira da Foz, 25-04-08

Eduardo Aroso



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