terça-feira, 20 de maio de 2008

Um conimbricense que adorava o México

Soube da morte do saudoso amigo Joaquim Montezuma de Carvalho pelo suplemento cultural do jornal O Primeiro de Janeiro "Das Artes, das Letras", do passado dia 10 de Março. Nascido na freguesia de Almedina (Coimbra), em 1928, Joaquim Montezuma de Carvalho assim que concluiu o curso de Direito foi desempenhar as funções de Conservador/Administrador dos Arquivos Centrais da cidade de Inhambane (Moçambique). Voltou a Portugal logo após o 25 de Abril de 1974, comprando casa em Alfama, Lisboa, montando na própria residência o seu escritório de advogado. Quase a completar meio século de vida, Joaquim Montezuma de Carvalho integra-se no meio jornalístico regional, escrevendo, semanalmente, crónicas para um sem-número de periódicos regionais (A Voz de Trás-os-Montes, O Mensageiro de Bragança, o Arrais, o Jornal da Amadora, entre outros). Especialmente volumosa é a colaboração no Jornal O Primeiro de Janeiro do Porto (suplemento "Das Artes, Das Letras").

De 1992 a 2002, tive residência na histórica vila de Santa Ana, na República da Costa Rica, e na Primavera de 1993 começara a relação epistolar entre o autor deste escrito e Joaquim Montezuma de Carvalho, que chegou até ao fim da sua vida terrena. Muitíssimas cartas, enviadas desde a Costa Rica, chegaram a casa do meu bom amigo com livros, postais ilustrados, revistas e recortes de jornais mexicanos, chilenos e costarricenses. Das inumerosíssimas crónicas escritas no jornal O Primeiro de Janeiro ("Das Artes, Das Letras"), em jornais e revistas da vizinha Espanha e países hispano-americanos, Joaquim Montezuma de Carvalho inspirou-se nos escritos jornalísticos oriundos da Costa Rica *, do México e do Chile. Assim aconteceu nas crónicas intituladas "Don Quijote en Espanglish", publicada no suplemento "Das Artes, Das Letras" de 17-03-2008, e "Ex-libris de Afonso Lopes Vieira, ex-libris de Portugal", no mesmo suplemento a 03-09-2007. No ano de 2002, tive o privilégio de conhecer pessoalmente o amigo Joaquim de Carvalho, sua esposa e seu filho, na residência familiar, sita na Rua dos Remédios, 146-3º, em Alfama, a escassos 300 metros do Museu Militar. Joaquim Montezuma de Carvalho vivia num mundo muito seu… via pouquíssima televisão. Não tinha paciência para ouvir relatos de futebol. Não ligava muito às novas tecnologias. Não amava o dinheiro, amava a vida. Por isso vivia um estilo de vida pleno se simplicidade franciscana. A sua grande paixão era ajudar gente necessitada, ler os clássicos e escrever, escrever, escrever. Mesmo cheio de dores não deixou de escrever. Morreu a escrever.Das visitas feitas a sua casa recordo o "aperitivo sagrado" antes do almoço: uma tisana, de cor rosada, feita de umas ervas aromáticas oriundas da Índia.Em longas conversas por telefone, Joaquim Montezuma confessara-me ter uma "costela" de imperador azteca, Moctezuma II (1466-1520). Com efeito, tinha um especial carinho por tudo quanto fosse mexicano. Creio que ele foi o único português que teve o privilégio de conhecer, em pessoa, Octávio Paz (Prémio Nobel de Literatura 1990) e Mário Moreno "Cantiflas" (actor cómico) na própria terra: México. Não restam dúvidas nenhumas que o nome de Joaquim Montezuma de Carvalho ficou ligado à dignificação do jornalismo luso-hispânico-mexicano. Foi muito produtiva a actividade intelectual de Joaquim de Montezuma de Carvalho. A escrita foi a sua vida! Desse espólio guardo na minha biblioteca o volume, com mais de quinhentas páginas, intitulado "Do tempo e dos homens", publicado em Julho de 2007 pelo Instituto Piaget, Lisboa. "Do tempo dos homens" é um livro para ler e reler! Em suma, há muito a fazer para um estudo minucioso do interessantíssimo labor intelectual deste conimbricense, protagonista duma geração que apaixonadamente, gratuitamente, deu a conhecer, em Portugal, grandes figuras humanistas que marcaram a viragem do século XIX para o século XX. Morreu o homem, mas o cronista-pensador não. O espólio bibliográfico de Joaquim de Montezuma de Carvalho encontra-se bem guardado na Biblioteca Municipal da Póvoa de Varzim. Já seu pai, Joaquim de Carvalho, doara seu espólio bibliográfico à Biblioteca Municipal Santos Rocha da Figueira da Foz.

Dedico este texto ao arqueólogo João Reigota, pela sua volumosa obra de pesquisa nos domínios da arqueologia e da geografia física e humana, que deu origem à volumosa publicação científica nas áreas da história e do património, intitulada "Gândara antiga".

Luís de Jesus (In das Artes e das Letras - Suplemento do Jornal O Primeiro de Janeiro)

* A Assembleia Legislativa da Costa Rica declarou Joaquim Montezuma de Carvalho "Benemérito da Pátria".

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Um aperto no coração...

A meu padrasto e padrinho, Joaquim Montezuma de Carvalho

Lentamente o branco cinza das tuas cinzas se diluiu nas águas mansas do Mondego. E este conduziu-te à última morada por ti escolhida... o mar.
Tal como os primeiros navegadores portugueses que se atreveram a enfrentar o desconhecido nas paragens inóspitas do oceano infindo, também nele mergulhaste, confundindo-te com as águas imensas que Camões referiu como “húmido elemento”.
Não no “húmido elemento”, mas no elemento da douta sabedoria te atreveste a enfrentar os Adamastores e Velhos do Restelo desvendando novos caminhos para a auto-reflexão das ideias feitas e outras não feitas, mas simplesmente desconhecidas. Granjeaste amores e desamores nas horas tardias das vielas emaranhadas do conhecimento, não por glória, mas pela pura philos sophia que caracterizou todo o teu percurso de vida.
Hoje, num dia de Liberdade (25 de Abril) para a nação que te viu nascer, partes sem dor porque a dor já a consumiste nos anos porfiados e tecidos com as finas teias da culturalidade que abraçaste incessantemente. Partes livre como as águas que correm para o imenso oceano. Arrastas contigo todo o peso de uma vida dedicada à palavra e ao pensamento crítico de quem não dorme sobre a opulência do saber. Partes sabendo que levas contigo a mensagem silenciosa de quem gritou no anonimato a liberdade de expressão. Não a liberdade vã de quem se acha no pleno direito do tudo, transformando este belo ideal em libertinagem descontínua, doseada à maneira de cada um. Essa, a Liberdade da Palavra, transmitiste-a honestamente sem coro, mas com o decoro necessário para te fazeres amar por muitos que privaram contigo o suficiente para te conhecer na tua imensa humildade de poeta prosador, cantor da verdade.
A rosa derramada sobre as tuas cinzas já se confundiu nas cores da distância e das águas do Mondego. Um aperto no coração anuncia-me o derradeiro adeus. De novo me senti o “Bolinhas” (nome carinhoso com que me tratavas em criança), pequeno, vivaz e sempre irrequieto, buscando as verdades que só tu vias e compreendias a teu modo. Parece que ao longe escuto a tua voz cansada embargada pelo sono, anunciando o final da história nocturna: “estou cheio de sono... vou descansar!”
Mário Ferreira